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  • Foto do escritorMilena Fiuza

Transição capilar como movimento estético, cultural e político

Número de mulheres que vem abandonando as químicas e assumindo suas

curvaturas naturais tem crescido nos últimos anos.


Ilustração: Marcella Tamayo.


Falar da relação dos negros com o cabelo crespo requer uma reflexão que vá além da estética, é também um movimento político e cultural. Em uma diversidade de contextos e épocas o histórico de luta da população negra permanece e sua busca por direitos não tem fim, já que na sociedade os espaços continuam segregados e negados a esse povo.


O cabelo crespo é tido como uma questão de identidade, como parte de um movimento que busca incentivar o uso cultural e político dos fios naturais. Participando de diversas discussões na atualidade como o empoderamento e autonomia das mulheres, o cabelo natural é a reafirmação da estética étnico-racial. Nos dias de hoje, o movimento das cacheadas e crespas propões que os fios naturais sejam utilizados no combate ao racismo e preconceito, se tornando forma direta de ativismo.


Em pesquisa realizada pela L’Oréal em 2016 afirmou que 56% das mulheres brasileiras tem cabelos cacheados e que 68% deseja ter os fios lisos, levando-as a utilizar produtos químicos para alterar a curvatura de seus cabelos. O desejo por cabelos lisos se deve a problemática dos padrões de beleza impostos pela sociedade e da indústria de cosméticos que ignoraram por muitos anos os fios não lisos.


O desejo por se encaixar nos padrões de beleza começou cedo para Luana Karoline, 18, “comecei usar químicas para alisar meu cabelo por volta dos meus 8 anos e permaneci até os 14, quando tive corte químico”. Para Lorena Cruz, 22, não foi diferente, em entrevista ao Raízes, contou que começou a usar produtos para alterar a estrutura do fio aos 12 anos.


O número de mulheres que vem abandonando as químicas e assumindo suas curvaturas naturais tem crescido nos últimos anos. Através de um processo longo e difícil chamado de “transição capilar”, caracterizado pela passagem dos fios quimicamente tratados para a curvatura natural.


Thaila Moraes, 22 anos, que já realizou a transição capilar duas vezes entende esse momento “como um processo de aceitação acima de tudo, um processo de troca, que envolve muitos choros e vontade de desistir”. Ir contra os padrões estéticos exige coragem e apoio dos que cercam essas mulheres, apoio esse que nem sempre é encontrado, Thaila, não deixou de sofrer com opiniões alheias, “mesmo não estando na escola a batalha não foi tão fácil, “eu sempre ouvia: “você fica melhor com o cabelo escovado”, “penteia esse cabelo, passa uma escova nisso”, “esse seu cabelo não vai enrolar ele é DURO”, relatou.


Thalia Moraes. Foto: Arquivo Pessoal


Grande parte do crescimento do movimento de transição capilar se deve às redes sociais que o impulsionaram, utilizando como referências mulheres que já passaram ou estão em processo de assumir seus fios naturais como uma forma de reafirmação e valorização da estética negra no ciberespaço.


No ambiente digital, o surgimento de influenciadores no segmento de cabelos cacheados também cresceu, incentivando crianças, jovens e adultos a aceitarem suas madeixas naturais, além de trazer dicas de como tratar desses tipos de cabelos em particular. Para Thaila, essas influenciadoras a estimularam a cuidar ainda mais dos seus cabelos, “eu tô sempre buscando aprender mais coisas através das redes sociais...dicas maravilhosas pros meus lindos cachinhos”, contou.


Percebendo a importância e crescimento da aceitação das cabeleiras naturais, indústrias de cosméticos passaram a investir em produtos especializados para diferentes texturas de fios. Assim, a economia passa a girar ao redor do cabelo crespo e cacheado, já que o mercado começa a ver a possibilidade de realizar a manutenção da estética capilar, vendendo desde cosméticos a acessórios.


Cristiane Teles, 35 anos, que também já realizou a transição capilar 2 vezes, precisou fazer o grande corte, que consiste na retirada de toda parte do cabelo que tenha química deixando-o 100% natural, conta que foi um processo difícil onde nem ela conseguia aceitar sua nova e real aparência, comentários do tipo “Não está legal, parece homem”, fizeram ela desistir da primeira vez. Agora, com seu cabelo livre de químicas, ela se inseriu no mercado de vendas de cosméticos especializados em cabelo natural, e já enxerga esse espaço como “um tanto saturado, já que existem diversas marcas de produtos cacheados”.


Cristiane Teles. Foto: Arquivo Pessoal


Na vida de muitas mulheres a transição capilar marca um ponto de recomeço , no decorrer do processo padrões de beleza são desconstruídos, conexões com suas raízes são reestabelecidas. Nesse processo muitas passam por situações de preconceitos e racismo que, por vezes, ocorrem no círculo de pessoas mais próximos a elas como: colegas de trabalho, amigos e família. Embora seja um processo longo e difícil e cheio de críticas, “hoje eu sou muito feliz com a melhor escolha que já fiz na vida” diz Thaila.



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