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  • Foto do escritorSilvia Dias

Salvador mais triste sem nossas praias de todos os dias

Como a pandemia modificou o principal hobbie dos soteropolitanos.



Ilustração: Arthur Dias


Novembro de 2019 e quem assistiu jornal como eu, ouviu falar de coronavírus, vulgo Covid-19. Mas o que era isto? Uma doença lá da China, contagiosa semelhante a uma gripe. Poxa! Coitados dos chineses, mas enfim, isso não ia chegar aqui, afinal era muito longe, do outro lado do mundo.


Passam dezembro, janeiro, fevereiro, Carnaval. Opa! Covid-19 em pleno 2020 circulando pelas beiradas do nosso país. Jornal: caso de coronavírus no Brasil. Como assim, pulou da China para o Brasil nesta velocidade? De epidemia virou pandemia.


Acordamos e foi um corre corre, fecha a porta, fecha a casa, trava tudo, corre de gente, usa máscara, não usa máscara, usa álcool gel, acaba estoque de álcool gel no mundo, o que fazer? Ficar trancado em casa ou ir para fila para comprar álcool gel? Só serve álcool gel? Não, álcool 70% também serve.

Ainda bem que deu tempo de curtir o Carnaval. Salvador, terra festeira, estava tão triste a olhar o mundo da janela de casa ou através da tela do celular. As ruas eram só silêncio, parecia uma cidade fantasma.


Prefeito ACM Neto decreta dia 19 de março: fecha tudo! Fecha cinema, fecha São João, fecha shoppings, fecha praia. Como assim, fecha a praia? Coloca muro, corrente, guarda municipal...


Como olhar para Salvador e ver a praia fechada, vazia, deserta, logo nossas praias que eram aglomeradas de segunda a segunda, independente da estação? Enfim, passa março, abril, maio, junho, julho, agosto, setembro, outubro e o Prefeito resolve abrir parcialmente a praia com alguns protocolos.


Abrir a praia parcialmente? Ou você abre a praia ou você não abre. Bom, o fato é que tínhamos alguns protocolos a cumprir: a praia só poderia ser frequentada de segunda a sexta, ir à praia de máscara, tomar sol sem sombreiro, e sem cadeira, tirar máscara para dar um mergulho e botar máscara de volta. Não pode levar água, cerveja, suco, comida, não pode ter circulação de ambulantes e assim não se pode vender nem comprar nada.


Aí eu me arrumei para um mergulho. Mas o que fazer na praia se eu vou queimar o rosto com a máscara e não posso proteger meu rosto com sombreiro, se vou desidratar na areia porque eu não posso beber água, nem um suco, muito menos uma cerveja, não posso comer uma salada de frutas, um acarajé, nem tomar uma água de coco?


O que me resta fazer na praia? Tomar sol de máscara e sair com a cara queimada com a marquinha da máscara, desidratando na areia? Não! Continuo dentro de casa até que a praia seja liberada totalmente, enquanto a pandemia não acabar, enquanto a vacina não for encontrada, me manterei dentro de casa sem tomar sol, com a minha máscara apenas para sair ao mercado, ao banco, trabalhar e voltar para casa.


O brasileiro está desesperado, imagine para nós que somos soteropolitanos e a cada esquina que saímos vemos um pedaço do mar. Salvador é cercada de mar por todos os lados, como ir à praia sem poder tomar sol sem a máscara, comer, beber, chupar um picolé, não ouvir todos aqueles ambulantes correndo de um lado para o outro, gritando no seu ouvido, vendendo picolé, espetinho de camarão, geladinho, canga, colocando tarot, fazendo tatuagem de henna, vendendo bombinha para bronzear.


Mas para quê que eu vou comprar bombinha de bronzeamento se vou ter que tomar sol de máscara e fazer uma marca no rosto? Está tudo muito confuso., As pessoas estão surtando: resolveram ir à praia assim mesmo, tomando sol com máscara, sem máscara, banho de mar, levando o cachorro para passear, jogando frescobol, correndo na areia. Estão todas enlouquecidas, não aguentam mais ficar dentro de casa, querem fazer qualquer coisa, até ficar com a cara manchada da máscara, mas querem ir para praia.


Fico com pena dos guardas municipais que sofrem bastante, correndo atrás de adultos como pais correndo atrás de crianças indisciplinadas. Com aquelas roupas pesadas, eles descem naquele sol e vão a areia para retirar as pessoas da água e pedir que elas coloquem a máscara, que não bebam água que não consumam alimentos, pedir aos ambulantes para que também saiam.


E no final de semana, que está proibido ir à praia, o guarda municipal passa o dia assim: tira um da areia, tira da água, coloca no calçadão, quando ele vai atrás de outro indisciplinado aquele que levou para o calçadão já desceu, já voltou para a areia, já está jogando frescobol, passeando com o cachorro, tomando banho de mar, jogando bola com os meninos e fica nesse inferno o dia inteiro.


Eu me pergunto: o que estas pessoas vão fazer na praia se a pandemia não acabou? Se a contaminação ainda continua? As pessoas estão completamente enlouquecidas, achando que a pandemia acabou, que tudo voltou ao normal e com isso vão burlando as ordens, os decretos, os limites e a vida.


Precisamos entender que agora existe um limite para ir à praia. Alguns meses atrás ir à praia era terapia de qualquer mortal - fosse rico, branco, preto, pobre. Todos frequentavam a praia a hora que quisesse, estava aberta 24 horas por dia, 7 dias por semana, 30 dias por mês, 365 dias por ano.


Salvador agora está assim: Salvador x Pandemia x Praia. Para mim é duro olhar de qualquer esquina e ver a ponta do mar, mas não poder tomar um banho de mar, não poder comer aquele velho acarajé na praia, tomar uma cerveja e comer aquele queijinho coalho. Mas será que vale risco?

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